segunda-feira, 20 de maio de 2013

Cidade do México afunda sete centímetros por ano.


Fenômeno é causado por superpopulação, uso indevido dos recursos naturais e construção de prédios em terrenos arenosos e frágeis.




   Em 1325, quando os astecas fundaram um império onde hoje está a Cidade do México, montaram sua base sobre um grande lago. Foi ali que esse povo pré-hispânico teria presenciado a cena de uma águia pousada em um cacto e devorando uma serpente — esse era o sinal que, segundo crenças registradas em fontes históricas, indicaria a eles onde deveriam se estabelecer. Assim nasceu a cidade de Tenochtitlan, cujas ruínas resistem no atual centro da capital mexicana. Apesar do pouco que restou da demonstração do poder asteca, o Lago Texcoco, que ocupava uma extensão de três mil quilômetros quadrados para além dos limites da Cidade do México, ainda corre por baixo dessa metrópole. Mas o terreno erguido sobre ele e que sustenta uma das dez cidades mais populosas do mundo, está cada vez mais sob pressão.
     Nem todos os mexicanos que se deslocam apressados pela capital, estão conscientes da ameaça, mas a cidade está afundando. Pesquisadores apontam para uma taxa média anual de afundamento de sete centímetros. Em algumas regiões, esse índice chega a 40 centímetros por ano. Os vilões são a pressão das construções sobre o solo frágil e o aumento da extração de água para atender a uma superpopulação.
      Nem sempre foi assim. Na época dos astecas, para viver sobre o imenso lago, eles colocaram em prática um engenhoso sistema de “chinampas”, que eram pequenas ilhas retangulares construídas artificialmente com terra. Ali os astecas erguiam suas construções e cultivavam alimentos. Com a conquista espanhola, o aterramento do lago se acelerou. Os exploradores aterraram algumas áreas e montaram um sistema de canais que conduzia água para a extração de madeira e outras atividades realizadas na promissora colônia.
     Com o passar do tempo, o lago passou a ser insuficiente para responder à demanda por água. Já passadas a independência mexicana e a revolução de Emiliano Zapata e Pancho Villa, a Cidade do México sofreu um boom populacional com a migração da população da área rural.
     Entre as décadas de 1930 e 1960, muita gente se assentou na região do lago sem nenhum planejamento. A extração de água do subsolo, adotada a partir da década de 40, se fez cada vez mais necessária. E o afundamento da cidade, em um solo sobrecarregado, tornou-se grave. A taxa média anual na época chegou a oscilar entre 30 centímetros e 40 centímetros por ano. Hoje, estacionou em sete centímetros, apesar das áreas onde o processo é mais acelerado.
     Com a região metropolitana, a Cidade do México tem mais de 20 milhões de habitantes, o que gera uma demanda altíssima de recursos hídricos. O lago está praticamente seco na superfície, mas, se escavamos a profundidades de entre um metro ou dois metros no centro da cidade, nos encontramos com o nível freático. Grande parte do consumo de água da capital vem da extração do líquido do subsolo — explicou o geógrafo Erik Adrián Diez de Bonilla Santiago. — O problema é que a capital tem um solo semi consolidado, formado em grande parte por água. Trata-se de um tipo de solo argiloso que se contrai quando a água é retirada.

Símbolo da metrópole

      Isso torna o solo mais frágil e traz, como consequência, um afundamento em taxas aceleradas, completa o funcionário da Secretaria de Proteção Civil da Cidade do México. Os indícios do fenômeno estão espalhados pela capital. Um dos casos mais emblemáticos é o do monumento Anjo da Independência, um dos símbolos da metrópole. Quando foi inaugurado, em 1910, pelo então presidente Porfírio Diaz, estava no mesmo nível da movimentada Avenida Passeio da Reforma. Um século depois, os visitantes precisam subir até quatro metros de degraus colocados sobre uma coluna de grama construída para manter a imponência do monumento, apesar do afundamento local.
      E se antes o Centro da cidade reunia os casos mais graves do fenômeno, hoje esse posto foi ocupado pela região Leste, direção na qual a cidade mais cresceu nos últimos anos. Áreas como as de Iztapalapa, Iztacalco e Venustiano Carranza registram um afundamento de até 40 centímetros por ano. Isso significa que, em dez anos, uma casa ali estaria quatro metros abaixo do nível atual. O crescimento acelerado, as pressões das edificações sobre o solo frágil e a alta demanda local de água contribuíram para o processo.
      É um fato que responde a um fenômeno social. O lago não teria por que afundar, nem o solo argiloso, se não fosse o peso colocado em cima. Além disso, se o lago não fosse aterrado, seguiria como sempre tinha sido. A crescente construção de edificações e a extração de água são ações humanas, com efeitos sobre a própria população — ressalta Bonilla Santiago.
     Apesar de ser impossível conter totalmente o fenômeno, alguns métodos têm ajudado a amenizá-lo. Com os estudos intensificados a partir dos anos 90, foram criadas políticas públicas para remediar o afundamento. Uma das medidas é a reinjeção de água no subsolo. Essa água passa por um processo de tratamento e é reinjetada para manter o solo argiloso úmido, sem contrair-se e fragilizar-se. Outra medida, nem sempre respeitada, é a proibição da construção de edifícios com mais de cinco andares em áreas delicadas, que não suportariam estruturas desse porte a longo prazo.
     Recentemente, a Secretaria de Proteção Civil lançou o Atlas de Perigos e Riscos da Cidade do México, coordenado pelo geógrafo Bonilla Santiago. O governo da capital mexicana trabalha em parceria com centros de pesquisa, como, por exemplo, a Universidade Nacional Autônoma do México. Os pesquisadores monitoram a cidade, estudam causas de fraturação do solo, mapeiam zonas críticas e acompanham as taxas anuais de afundamento. Quando é o caso, apontam áreas que precisariam ser evacuadas, apesar da dificuldade em convencer os moradores sobre um fenômeno silencioso até o aparecimento das primeiras fendas nas estruturas das casas. A região de Iztapalapa responde por mais de 80% dos afundamentos graves.
      Para o pesquisador René Chávez, do Departamento de Geomagnetismo e Exploração do Instituto de Geofísica da Universidade Nacional Autônoma do México, o problema é que o equilíbrio do lago foi quebrado.
     Tiramos mais do que devolvemos. Quando isso ocorre, formam-se regiões de baixa resistência no subsolo, com espaços vazios. Isso faz com que aumente a probabilidade de fraturas e desabamentos de construções, porque o subsolo não é firme e, sem água, fica oco — explicou Chávez.
Segundo ele, ainda é necessário realizar novos estudos sobre o terreno da cidade para identificar, com precisão, onde deve ser feita essa reinjeção de água. Os projetos em andamento incluem desde análises das propriedades do solo com imagens de satélite até estudos com ondas eletromagnéticas. Estes permitem diferenciar terrenos secos dos úmidos de acordo com a facilidade de penetração dessas ondas. Outro método é a tomografia elétrica, que consiste na injeção de corrente elétrica no subsolo para avaliar sua resistência com base na quantidade presente de água, boa condutora de eletricidade.
     É preciso deter o boom de construções na cidade. E, quando se for construir, é importante buscar zonas mais adequadas, com menos risco e métodos de construção mais sofisticados. Há que se deter o crescimento populacional na Cidade do México e desenvolver outros polos urbanos economicamente viáveis. Necessitamos também de um modelo hidrológico mais completo, para melhor distribuição da demanda e reposição da reserva de água no subsolo — enumera Chávez.
A lista de medidas de precaução é numerosa. Mas a alternativa que a longo prazo pode ser mais eficiente apela para a conscientização da população. Quanto menor for o desperdício de água, menor será a necessidade de extraí-la do subsolo — e menor será a taxa de afundamento por essa causa.
     Infelizmente, o consumo mais racional de água não tem sido o ponto forte da população. Mas é o mínimo que se pode fazer como cidadãos. Se conseguirmos extrair menos recursos, já seria um grande avanço. Até porque o afundamento continuará acontecendo — alerta Bonilla Santiago.

Perigos e oportunidades

      O afundamento da Cidade do México a uma média de sete centímetros por ano representa um perigo aos moradores da metrópole. Mas, para os arqueólogos que buscam evidências arqueológicas em uma cidade que não para de crescer, é uma oportunidade.
      Os prédios coloniais construídos no centro da cidade estão entre os mais afetados. Quando essas construções necessitam passar por reparos, elas devem antes, por lei, ser vistoriadas por especialistas do Programa de Arqueologia Urbana. Afinal, foi no Centro da capital mexicana que os astecas ergueram seu império. E se, por um lado, o afundamento da cidade afeta os edifícios; por outro; é uma oportunidade de recuperar informação arqueológica, defende o especialista Raúl Barrera Rodríguez, do Programa de Arqueologia Urbana do Instituto Nacional de Antropologia e História do México (INAH).
      Em fevereiro passado, Barrera anunciou a descoberta de vestígios de 1486 a 1519 do que teria sido o Calmécac — uma espécie de escola onde os filhos dos nobres astecas recebiam preparação religiosa e militar. Apesar das pistas de registros históricos, a descoberta aconteceu por acaso, debaixo de um terreno do Centro Cultural da Espanha no México.
Os responsáveis pela instituição queriam fazer obras na estrutura e aumentar seu espaço. Solicitaram autorização do INAH e receberam a visita do Programa de Arqueologia Urbana. O resultado foi que o lugar onde seria um estacionamento subterrâneo deu origem a um museu com 88 peças inéditas. O local foi escavado a pouco mais de cinco metros abaixo do nível da rua, mas representa apenas 20% do que teria sido a escola dos nobres astecas. Para descobrir mais, os arqueólogos teriam que fazer escavações mais profundas, algo praticamente impossível em uma cidade com a atual dimensão da capital mexicana.
      O afundamento da Cidade do México permite trazer à tona uma parte da história mexicana que os conquistadores espanhóis tentaram soterrar.


Fonte: Jornal O Globo.


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